“Em um
tom desafiador e paradoxal, (Marx) articulou, portanto, certas
proposições-chave, as quais, contendo sua filosofia política,
subjazem e transcendem a parte estritamente científica de sua obra
(e, como tal, permanecem curiosamente as mesmas durante toda a sua
vida...)”. (ARENDT, H. Entre o passado e o futuro, p.
47-48).
3
proposições-chave de Marx por Hannah Arendt – o
fim da modernidade: 1 – O trabalho criou o homem (o ser humano
é fruto de seu trabalho); 2 – A violência é a parteira de toda
velha sociedade prenhe de uma nova (não existe transformação
social sem violência – o caráter violento de todo salto histórico
– contradiz Kant e seu esclarecimento – rompimento com o
idealismo iluminista); 3 – Os filósofos apenas interpretaram o
mundo de diferentes maneiras; agora é preciso transformá-lo
(introdução da dimensão chamada práxis – existem duas dimensões
da realidade, a teórica e a prática – Marx propõe a união
desses dois elementos através da dialética – união da teoria e
da prática gerando a práxis – transformando-se a realidade, o
mundo concreto emanará novas demandas → práxis – Voltar da
teoria abstrata para a prática – caminho dialético entre teoria e
prática).
Mas...
“O fim
de uma tradição não significa necessariamente que os conceitos
tradicionais tenham perdido seu poder sobre as mentes dos homens.
Pelo contrário, às vezes parece que esse poder das noções e
categorias cediças e puídas torna-se mais tirânico à medida em
que a tradição perde sua força viva e se distancia a memória de
seu início (ARENDT, H. Entre o passado e o futuro, p.
53)”.
Ou seja,
o fim de uma tradição gera um certo saudosismo que torna os antigos
valores ainda mais presentes.
“Hoje
em dia, para a maioria das pessoas, essa cultura assemelha-se a um
campo de ruínas que, longe de ser capaz de pretender qualquer
autoridade, mal pode infundir-lhe interesse. Este fato pode ser
deplorável, mas implícita nele, está a grande oportunidade de
olhar sobre o passado com olhos desobstruídos de toda a tradição,
com uma visada direta que desapareceu do ler e do ouvir ocidentais
desde que a civilização romana submeteu-se à autoridade do
pensamento grego” (ARENDT, H. Entre o passado e o futuro, p. 56).
Vivemos
uma era de oportunidades. A
tradição, iniciada por Platão e que chegou ao ápice com Descartes
(modernidade), construiu um edifício altíssimo mas, no entanto, sem
janelas. Por mais alto que o prédio fosse, nossa vista estaria
sempre bloqueada. Com o fim da tradição, o prédio ruiu. Marx,
Freud, Nietzsche e outros decretaram seu fim. A demonstração da
impossibilidade de reconhecer naquele ser humano ou naquela política
concebida pelos modernos o modelo real de política, o modelo real de
ser humano – a constatação da impossibilidade de lidarmos com
aqueles valores idealizados – colocou todo o prédio abaixo. Assim,
perdemos a sustentação e o abrigo. Embora não estejamos mais sobre
o abrigo do edifício, temos, agora, a possibilidade de vislumbrarmos
o horizonte longínquo.
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