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22 de junho de 2012

O Estado e a liberdade de imprensa


Este mês o Reino Unido presenciou um escândalo envolvendo um dos mais tradicionais tabloides, o dominical News Of The World, de propriedade do magnata das comunicações Rupert Murdoch. O semanário, que encerrou suas atividades na semana passada, está sendo investigado por interceptar mensagens telefônicas de celebridades, políticos e, até mesmo, de familiares de vítimas de crimes de grande repercussão apenas com o intuito de publicar histórias exclusivas.
Comentando o escândalo, José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil na era Lula, escreveu em seu blog que a autorregulamentação da imprensa não funciona, e pediu a atenção dos legisladores para a questão. A intenção do ex-ministro com o texto não foi outra senão a busca pela centralização do controle dos meios de comunicação na figura do Estado, fato tão perigoso quanto autoritário.
Ora, é certo que os meios de comunicação nos fornecem parâmetros sociais, culturais e políticos, e são responsáveis por influenciar diversos aspectos da vida moderna, como o comercial, o profissional e o comportamental. Dessa forma, a importância dos veículos de comunicação para a sociedade, bem como o grande poder que eles detêm, são indiscutíveis – afinal, é através da mídia que reconhecemos o todo que não podemos compreender sozinhos.
Contudo, entregar o domínio da imprensa, seja centralizando sua operação ou regulação, ao Poder Público, é correr o risco de cercear liberdades fundamentais para a sociedade. Por outro lado, nenhuma regulamentação ou previsão por parte do Estado também significaria correr o risco de cercear direitos fundamentais como, por exemplo, o direito à privacidade e a presunção de inocência. Deve-se buscar, portanto, a harmonia entre ambos.
Tendo-se em mente que a principal tarefa dos meios de comunicação, em se tratando de imprensa, é existir como fonte de informação imparcial, e considerando seu papel fiscalizatório como pretenso quarto poder, nota-se a necessidade evidente de esforços na criação e fortalecimento de uma ética jornalística e de elementos internos de autocrítica e autorregulamentação em contrapeso ao Estado, que não deve avançar indiscriminadamente sobre a liberdade de imprensa. Foi a partir de tal constatação que emergiram, ao longo dos anos, diversos códigos de ética profissional e sistemas de avaliação da qualidade dos produtos e serviços prestados pelos meios de comunicação à sociedade, numa tentativa de efetivar a liberdade de imprensa e garantir as devidas reparações em caso de choque com outros direitos fundamentais.
Assim, ao contrário do que o ex-ministro José Dirceu parece pregar, a utilização de meios internos, portanto próprios dos profissionais de comunicação, para a fiscalização e manutenção da qualidade da mídia é importante, e serve como meio de efetivação e garantia das liberdades de expressão, de imprensa e de informação frente a possíveis abusos e avanços legislativos arbitrários do Estado sobre matéria relativa a comunicação social. O ex-ministro parece esquecer que construiu parte de sua vida política lutando contra um governo ditatorial que tinha na censura à imprensa um meio de emudecer as vozes da oposição e cercear a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros. O caso britânico News Of The World não é parâmetro para julgar a autorregulamentação da imprensa: nem lá, nem cá.

Publicado originalmente no Jornal A Razão (2011).

Teimosia


Linhas de montagem do ensino jurídico



Vivenciamos uma época em que a dimensão cultural da universidade está em franca diminuição, onde o convívio entre conhecimentos está posto de lado em favor de uma especialização tecnicista extirpante.
A educação, em plena era da produção em massa, das linhas de montagem automatizadas, parece seguir exatamente os mesmos princípios que norteiam essas práticas. Passa-se a informação, as técnicas de aplicação do conhecimento, mas já não se ensina mais a ter independência intelectual. Nas universidades, verdadeiras linhas de montagem, já não se formam pensadores, apenas técnicos, aplicadores de um conhecimento que não são capazes de compreender, muito menos de criticar. São poucos e afortunados aqueles que escapam à regra e conseguem criar conhecimento, criticar positiva ou negativamente as informações de que tomam ciência, tomar parte ativa na construção e melhoria da sociedade.
Houve, com a mercantilização da educação, uma crescente corrida na direção de um ensino mais prático, mais utilitarista, pouco engajado e despreocupado com a formação de cidadãos. Há, na atual conjuntura do ensino, uma preocupação abusiva com a produtividade.
A própria tendência imediatista, reflexo de uma sociedade tecnológica, faz com que o ensino perca em profundidade para ganhar em praticidade. Basta observar um pequeno grupo de adolescentes para notar o quão ansiosos ficam pela demora na assimilação de qualquer conteúdo ou saber. Esse imediatismo, essa busca pela síntese, pelo mais rápido e prático, também acaba por influir na forma como a educação está sendo pensada e tratada. A sociedade neoliberal, focada na questão econômica, acaba por retirar a ideia de cidadania da educação, tornando a universidade um espaço privado e privatizado. O objetivo, agora, é a obtenção de lucro.
Especificamente quanto ao curso de Direito, universo do qual faço parte, onde o saber deveria ser, a princípio, bastante amplo e multidisciplinar, observamos facilmente as funestas consequências das escolhas da humanidade.
O objetivo maior das faculdades de direito no Brasil passou a ser a aprovação de seus alunos no Exame da Ordem, grande chamariz e peça chave na promoção das instituições. Ou seja, valoriza-se a assimilação dogmática ao invés da aprendizagem crítica. Constroem-se fantoches ao invés de moldarem-se cidadãos.

Publicado originalmente como "Universidades: as linhas de montagem da educação" no Jornal A Razão (2011).

Prisioneira