Este mês o Reino Unido presenciou um escândalo envolvendo um dos
mais tradicionais tabloides, o dominical News Of The World, de
propriedade do magnata das comunicações Rupert Murdoch. O
semanário, que encerrou suas atividades na semana passada, está
sendo investigado por interceptar mensagens telefônicas de
celebridades, políticos e, até mesmo, de familiares de vítimas de
crimes de grande repercussão apenas com o intuito de publicar
histórias exclusivas.
Comentando o escândalo, José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil na
era Lula, escreveu em seu blog que a autorregulamentação da
imprensa não funciona, e pediu a atenção dos legisladores para a
questão. A intenção do ex-ministro com o texto não foi outra
senão a busca pela centralização do controle dos meios de
comunicação na figura do Estado, fato tão perigoso quanto
autoritário.
Ora, é certo que os meios de comunicação nos fornecem parâmetros
sociais, culturais e políticos, e são responsáveis por influenciar
diversos aspectos da vida moderna, como o comercial, o profissional e
o comportamental. Dessa forma, a importância dos veículos de
comunicação para a sociedade, bem como o grande poder que eles
detêm, são indiscutíveis – afinal, é através da mídia que
reconhecemos o todo que não podemos compreender sozinhos.
Contudo, entregar o domínio da imprensa, seja centralizando sua
operação ou regulação, ao Poder Público, é correr o risco de
cercear liberdades fundamentais para a sociedade. Por outro lado,
nenhuma regulamentação ou previsão por parte do Estado também
significaria correr o risco de cercear direitos fundamentais como,
por exemplo, o direito à privacidade e a presunção de inocência.
Deve-se buscar, portanto, a harmonia entre ambos.
Tendo-se em mente que a principal tarefa dos meios de comunicação,
em se tratando de imprensa, é existir como fonte de informação
imparcial, e considerando seu papel fiscalizatório como pretenso
quarto poder, nota-se a necessidade evidente de esforços na criação
e fortalecimento de uma ética jornalística e de elementos internos
de autocrítica e autorregulamentação em contrapeso ao Estado, que
não deve avançar indiscriminadamente sobre a liberdade de imprensa.
Foi a partir de tal constatação que emergiram, ao longo dos anos,
diversos códigos de ética profissional e sistemas de avaliação da
qualidade dos produtos e serviços prestados pelos meios de
comunicação à sociedade, numa tentativa de efetivar a liberdade de
imprensa e garantir as devidas reparações em caso de choque com
outros direitos fundamentais.
Assim, ao contrário do que o ex-ministro José Dirceu parece pregar,
a utilização de meios internos, portanto próprios dos
profissionais de comunicação, para a fiscalização e manutenção
da qualidade da mídia é importante, e serve como meio de efetivação
e garantia das liberdades de expressão, de imprensa e de informação
frente a possíveis abusos e avanços legislativos arbitrários do
Estado sobre matéria relativa a comunicação social. O ex-ministro
parece esquecer que construiu parte de sua vida política lutando
contra um governo ditatorial que tinha na censura à imprensa um meio
de emudecer as vozes da oposição e cercear a liberdade de expressão
dos cidadãos brasileiros. O caso britânico News Of The World não é
parâmetro para julgar a autorregulamentação da imprensa: nem lá,
nem cá.
Publicado originalmente no Jornal A Razão (2011).